OPINIÃO

Os EUA atacaram o Irã — mas destruir centrífugas não apaga conhecimento

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Por Nelio Fernando dos Reis, Ph.D.*

Os Estados Unidos atacaram as instalações nucleares do Irã, mirando diretamente as usinas de Natanz e Fordow. O objetivo declarado: conter o avanço do programa atômico iraniano, que já havia atingido 83,7% de pureza no enriquecimento de urânio — um passo crítico rumo ao domínio do ciclo nuclear. Mas o que os mísseis destruíram foram estruturas físicas. O conhecimento — esse continua intacto.O filósofo espanhol Ortega y Gasset já advertia: “A técnica é a realização da ideia.” Destruir a técnica não destrói a ideia. E é disso que se trata. O Irã não depende mais de importações. Construiu centrífugas, reatores de pesquisa e cadeias produtivas inteiras com conhecimento interno, sob embargo, com engenharia reversa e autonomia crescente. A destruição física pode atrasar, mas não impedir.

Destruir centrífugas não apaga conhecimento

A cadeia do urânio é longa e sofisticada. Começa nas minas — como a de Saghand, no centro do Irã —, passa pelas plantas de conversão, como Isfahan, e chega às ultracentrífugas de Natanz e Fordow, onde o urânio em forma de gás (UF) é girado a altíssima velocidade para concentrar o isótopo U-235. Essa operação exige materiais especiais, conhecimento em metalurgia, automação e controle de vácuo coisas que não se compram prontas. São desenvolvidas.

A teoria dos jogos, formulada por John Nash, explica bem o que aconteceu: cada jogador (nação) toma decisões estratégicas, considerando os movimentos do outro. Ao atacar, os EUA tentam maximizar sua posição. Mas forçam o adversário a agir — e geralmente, a radicalizar. O ataque pode ter ganho tático. Mas o efeito estratégico é incerto, e muitas vezes contrário ao pretendido.

 

“A tecnologia nacional é o escudo invisível da soberania.” — General Santa Rosa”

 

Sun Tzu, em A Arte da Guerra, já ensinava: “A suprema arte da guerra é vencer sem lutar.” Ao recorrer à força, os EUA admitem que não conseguiram conter o Irã por vias diplomáticas ou tecnológicas. O que se segue é imprevisível — porque o Irã, como qualquer outra potência emergente, se vê agora moralmente autorizado a seguir adiante.

O Brasil, que domina a tecnologia de ultracentrifugação desde os anos 1980, possui reservas minerais abundantes e criou, em 2020, o curso de Engenharia Nuclear da USP, precisa olhar para esse episódio com racionalidade e coragem. Como explico em Terras Raras, Poder e Independência, minerais estratégicos como o urânio não são apenas insumos — são símbolos de soberania real.

Generais brasileiros da reserva, como Santa Rosa e Matsuda, atentos a essa realidade, estão à frente da Iniciativa DEX — um think tank estratégico dedicado à formulação de planos nacionais de longo prazo para o Brasil, com foco em defesa, industrialização verde, energia e política de minerais críticos. “A tecnologia nacional é o escudo invisível da soberania”, costuma afirmar o General Santa Rosa, em palestras e ensaios. Já o General Matsuda, com sua experiência em planejamento estratégico, alerta: “Minerais críticos são a nova fronteira da segurança nacional.” Ambos sabem, com a sobriedade de quem estudou a história e viveu a realidade, que a soberania se constrói com inteligência, não com improviso.

Como escreveu o General Golbery do Couto e Silva: “A soberania não é um atributo estático do Estado, mas uma conquista permanente.” A capacidade de manter laboratórios, formar engenheiros, proteger minas e refinar metais raros é o verdadeiro escudo de uma nação no século XXI.

O ataque ao Irã nos lembra também de Étienne de La Boétie, autor do clássico Discurso da Servidão Voluntária. Lá, ele observa que a dominação só se sustenta enquanto houver aceitação da dependência. O Irã recusou essa dependência tecnológica. E o Brasil — aceitará ou resistirá?

Por fim, como ensinou Carl von Clausewitz, em Da Guerra: “A guerra é a continuação da política por outros meios.” No século XXI, porém, os “outros meios” passam pela engenharia, pela ciência, pelo controle dos recursos e da narrativa. A guerra, hoje, também é invisível — e o campo de batalha é técnico, digital e subterrâneo.

Destruir centrífugas não destrói conhecimento. E um país que depende da importação de tudo o que é estratégico nunca será verdadeiramente soberano. O Brasil pode continuar exportando matéria-prima barata — ou usar seus próprios recursos para gerar energia, ciência, tecnologia e dignidade industrial. O futuro, como o urânio, exige refinamento. E precisão.

 

* Possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em engenharia de produção. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP.