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OPINIÃO

Brasil reivindica ‘ilha’ rica em Terras Raras e expõe fragilidade da política de Estado

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Por Nelio Fernando dos Reis, Ph.D.*

A cerca de 1.200 quilômetros da costa do Rio Grande do Sul, repousa submersa uma gigantesca formação geológica chamada Elevação do Rio Grande. Com cerca de 500 mil quilômetros quadrados — área equivalente à da Espanha —, essa elevação abriga um dos conjuntos mais promissores de minerais críticos já identificados sob o domínio marítimo brasileiro: terras raras, cobalto, níquel, titânio, lítio e outros insumos centrais para a transição energética, a indústria de defesa e a autonomia tecnológica. Em fevereiro de 2025, o Brasil formalizou junto à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), da ONU, o pedido para estender sua plataforma continental e incorporar oficialmente a Elevação. Se aprovado, o país passará a deter direitos exclusivos de exploração econômica sobre esses recursos. No entanto, apesar do potencial envolvido, a mobilização institucional segue fragmentada, silenciosa e politicamente subdimensionada.

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A Elevação do Rio Grande não é apenas rica em minérios — ela está situada em um corredor geopolítico sensível, entre a costa sul-americana, o Atlântico Sul e o entorno das Ilhas Malvinas, sob controle britânico. Sua posição a torna alvo direto de interesses estratégicos por parte de China, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia. A China, por exemplo, já domina mais de 85% da capacidade mundial de refino de elementos de terras raras e tem expandido silenciosamente sua atuação em fundos marinhos no Pacífico e em zonas econômicas frágeis da África. O Reino Unido mantém presença científica e militar ativa nas Malvinas. Os EUA operam acordos de segurança e cooperação marítima com foco em minerais críticos. A Europa, por sua vez, aprovou o Critical Raw Materials Act e procura novas fontes fora da Ásia. Todos acompanham, com interesse e discrição, a indefinição brasileira sobre a soberania da Elevação.
Entre 2018 e 2024, cientistas da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Marinha do Brasil, realizaram expedições de sondagem geológica, usando navios como o Alpha Crucis e o Vital de Oliveira. Foram empregadas tecnologias de última geração — veículos submersíveis não tripulados, batimetria de alta precisão e coleta de sedimentos a mais de 4 mil metros de profundidade. As análises comprovaram a presença de elementos estratégicos como neodímio, praseodímio, disprósio, cobalto e manganês — todos altamente valorizados em cadeias produtivas de energia renovável, eletrificação da mobilidade, sistemas ópticos, satélites e microeletrônica.
Apesar disso, o Brasil continua sem um marco legal para minerais estratégicos, sem uma agência nacional de governança para terras raras e sem um plano integrado de industrialização soberana. Exporta matéria-prima bruta, importa tecnologia processada, e repete o ciclo histórico de autodependência. Enquanto outras nações estabelecem zonas de proteção tecnológica e programas públicos de reindustrialização, o Brasil permanece refém de um vácuo institucional. Os dados existem, os diagnósticos estão prontos, mas falta coordenação estratégica.
Se a ONU rejeitar ou adiar a análise do pleito brasileiro — ou se o país não demonstrar capacidade funcional de ocupação e exploração —, empresas multinacionais poderão explorar a área sob autorização da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. Nesse cenário, não apenas a riqueza seria perdida, mas a possibilidade de o Brasil se projetar como provedor confiável de insumos críticos para o século XXI desapareceria.
Li certa vez o estrategista Nicholas Spykman, autor de The Geography of the Peace (1944, EUA), que via o controle das margens continentais como chave para o domínio global. Sua tese me parece cada vez mais atual quando se observa o silêncio do Brasil diante do Atlântico Sul e suas riquezas submersas. Em The Grand Chessboard (1997, EUA), Zbigniew Brzezinski alertava que os espaços geográficos negligenciados por potências regionais tendem a ser ocupados por interesses externos — não pela guerra direta, mas pela inserção estratégica. E como bem nota Yuval Noah Harari, em Homo Deus (2015, Israel), o poder do século XXI não está nos tanques, mas no controle das infraestruturas invisíveis que movem tecnologia, energia e dados. O oceano, sob essa ótica, é uma rede — e o Brasil parece estar offline.
Essas ideias não são apenas teorias históricas — elas descrevem com precisão o que está em jogo no Atlântico Sul. O general Matsuda, referência em logística de defesa e geoestratégia sul-americana, membro da Iniciativa DEX — um think tank que articula militares da reserva, pesquisadores e lideranças políticas comprometidas com a soberania nacional —, tem defendido publicamente que o Brasil precisa incorporar à sua política de Estado o domínio sobre cadeias críticas de suprimento, especialmente aquelas associadas à transição energética e às tecnologias de uso dual. Para ele, “um país que não protege suas riquezas estratégicas não é soberano, é apenas tolerado”. Essa é a síntese do pensamento que move a DEX e deveria inspirar um novo posicionamento brasileiro no cenário internacional.
A Elevação do Rio Grande não é apenas um platô geológico. É um espelho do Brasil real: rico, cobiçado, e muitas vezes ausente de si mesmo. Se quisermos reverter essa lógica, será preciso algo raro por aqui — uma decisão soberana, firme e urgente.

 

* Possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em engenharia de produção. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP.