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POLÍTICA E GEOPOLÍTICA

MAS AFINAL: O QUE É UMA OPERAÇÃO DE GLO?

 

Com a decretação da primeira Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) pelo atual Presidente da República, que também é o Comandante Supremo das Forças Armadas, em seu terceiro mandato, muito se tem ouvido sobre o tema; lamentavelmente, algumas opiniões lançadas nas mídias carecem de um mais aprofundado conhecimento teórico, e principalmente prático, sobre o assunto. Logo, por que não apresentar alguns conceitos e ideias sobre a tal Op GLO?

 

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O embasamento teórico

A nossa Constituição Federal de 1988, em seu Art. 142, define que as Forças Armadas (FA), constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, à garantia da lei e da ordem. Acrescenta ainda que lei complementar deverá estabelecer as normas gerais a serem adotadas (1) na organização, (2) no preparo e (3) no emprego das FA.

Daí surge a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, e suas atualizações, que esclarece que, sem comprometimento de sua destinação constitucional, cabe também às FA o cumprimento das atribuições subsidiárias explicitadas nessa Lei Complementar. Além disso, deixa claro que as FA são subordinadas ao Ministro da Defesa, a quem cabe exercer assim a sua direção superior.

 

Para o cumprimento da destinação constitucional das FA, é responsabilidade dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (não mais na condição de ministros de estado) o preparo de seus órgãos operativos e de apoio, obedecidas as políticas estabelecidas pelo Ministro da Defesa.

 

Esse preparo compreende, entre outras, as atividades permanentes de planejamento, organização e articulação, instrução e adestramento, desenvolvimento de doutrina e pesquisas específicas, inteligência e estruturação das FA, de sua logística e mobilização.

 

Quanto ao emprego na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada as seguintes formas de subordinação:

I - Ao Comandante Supremo, por intermédio do Ministro da Defesa, no caso de Comandos Conjuntos, compostos por meios adjudicados (cedidos) pelas FA e, quando necessário, por outros órgãos;

II - Diretamente ao Ministro da Defesa, para fim de adestramento em operações conjuntas (entende-se como realização de exercícios), ou por ocasião da participação brasileira em operações de paz;

III - Diretamente ao respectivo Comandante de Força, respeitada a direção superior do Ministro da Defesa, no caso de emprego isolado (não conjunto) de meios de uma única Força.


Logo, fica claro que compete ao Presidente da República a decisão do emprego das FA, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Não há qualquer previsão de subordinação a qualquer outra autoridade senão àquelas aqui elencadas, como por exemplo a um outro ministro de estado.

Essa atuação na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato (decreto) do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 144.

 

Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no Art. 144 quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

 

Nessa hipótese de emprego, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das FA, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das Op GLO.

Determinado o emprego na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente nos níveis federal e/ou estadual, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos seus órgãos de segurança pública (como exemplos, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, as Polícias Militares e Civis) necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade (comandante) encarregada das operações, autoridade essa que deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes desses órgãos públicos federais e/ou estaduais sob seu controle operacional e com outros órgãos com interesses afins (como exemplos, IBAMA, ICMBio, Receita Federal, se e quando for o caso).

 

Considera-se controle operacional o poder conferido à autoridade (comandante encarregada das operações para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais. Que fique claro que controle operacional e comando são situações completamente distintas. Como exemplo, para as atividades logísticas e administrativas, no controle operacional, a instituição de origem as mantém de forma integral.

 

Prosseguindo na Lei Complementar nº 97, cabe às FA, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, (1) na faixa de fronteira terrestre, (2) no mar e (3) nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo federal e/ou estadual, executando, dentre outras, as ações de:

 

 I - Patrulhamento;

II - Revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

III - Prisões em flagrante delito.

 

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, é conhecida como faixa de fronteira, sendo considerada fundamental para defesa do território nacional.

 

Tomando o Exército como exemplo, cabe a Força, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:

 

 I – Contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre;

II – Cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante; e

III – Cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional (aqui está a possibilidade de atuação fora da faixa de fronteira), na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.

 

A execução prática

 

O Decreto nº 11.765, de 1º de novembro de 2023, autorizou o emprego das FA para Op GLO em cinco portos e aeroportos, com o objetivo de fortalecer o combate ao tráfico de drogas e de armas e a outras condutas ilícitas, por meio de ações preventivas e repressivas, no período de 6 de novembro de 2023 a 3 de maio de 2024, em:

 

I - Porto do Rio de Janeiro, estado do Rio de Janeiro;

II - Porto de Itaguaí, estado do Rio de Janeiro;

III - Porto de Santos, estado de São Paulo;

 V - Aeroporto Internacional Tom Jobim, estado do Rio de Janeiro; e

V - Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, estado de São Paulo.

 

Além dessas clássicas cinco Op GLO, alinhado com o que prevê a Lei Complementar nº 97, caberá ao Comando do Exército e ao Comando da Aeronáutica o fortalecimento imediato das ações de prevenção e repressão de delitos na faixa de fronteira do território brasileiro, e ao Comando da Marinha o fortalecimento das ações de prevenção e repressão de delitos (1) na Baía de Guanabara e na Baía de Sepetiba, ambas no estado do Rio de Janeiro, (2) na área brasileira do Lago de Itaipu, (3) nos estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná, e (4) nos acessos marítimos ao Porto de Santos, no estado de São Paulo, tudo isso em articulação com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, no âmbito de suas competências. Fica definido que o planejamento e o monitoramento dessas ações devem ser aprovados pelo Ministro da Defesa, em coordenação com o Ministro da Justiça e Segurança Pública.

 

Segundo a interpretação desse Decreto, sua redação está alinhada com o embasamento legal existente, reunindo assim (1) cinco Op GLO em portos e aeroportos (todos sob Responsabilidade federal e não estadual), com missão e delimitação física e temporal bem definidas, e (2) intensificação de ações subsidiárias na faixa de fronteira, no mar e nas águas interiores, em total coordenação com os órgãos federais e estaduais de segurança pública e outros órgãos com interesses afins.

E os resultados esperados irão se concretizar? Essa é uma ótima pergunta.

 

Vamos lembrar que o Brasil possui 17 mil Km de fronteira terrestre, do Oiapoque ao Chuí. Desse número, tomemos como exemplo os 3.600 Km que estão nos estados de RO e AC, na fronteira com Peru e Bolívia. Lá, não há fronteira seca de destaque, mas os rios penetrantes são importantes (Juruá, Purus, Guaporé, Mamoré, Madeira). Ao transpor a linha de fronteira, inúmeras estradas adentraram pelo território brasileiro, o que nos permite chegar, em um país de dimensão continental, em portos e aeroportos debruçados sobre o Atlântico.

 

Voltando àqueles 3.600 Km, fica registrado que o tamanho da fronteira EUA/México é de 3.200 Km (e os EUA pensam em construir um muro naquela fronteira). O número de militares do nosso Exército naqueles dois estados é em torno de 5.000 homens e mulheres. Se todos esses militares fossem colocados lado a lado na linha de fronteira, cada um deveria controlar aproximadamente 720 metros, nas 24 horas por dia, nos 07 dias por semana. Impossível!!!

 

E ainda temos limitações orçamentárias que acarretam, entre outras, limitações tecnológicas. Basta ver o valor de recursos alocados às três Forças proporcionalmente ao nosso PIB (1,3%, quando o desejado gira em torno de 2,0%). Recentemente, os três Comandantes de Força destacaram, junto ao Congresso Nacional e à imprensa, as vulnerabilidades de seus meios, defasados diante das nossas demandas atuais. Um exemplo é o tão necessário SISFRON, iniciado em 2012 e eminentemente voltado para ações fronteiriças, que ainda caminha a passos lentos. Se bobear, a tecnologia adquirida no início do programa já está obsoleta para aplicação nas fases seguintes. Por outro lado, o crime organizado (CO) manobra o 5 seu ilimitado aparato bem longe de qualquer regra, admitindo até perdas que são compensadas por ganhos muito maiores.

 

Concluindo essas breves reflexões e sem esgotar o assunto, afirmamos com todas as letras que Marinha, Exército, Força Aérea, órgãos de segurança pública e órgãos com interesses afins continuarão a emprestar todos os seus esforços para o bom cumprimento da missão; nossos comandantes em todos os escalões são extremamente bem-preparados e nossos soldados permanecem motivados. Mas a missão é extremamente difícil. Se o Estado não considerar a permanência dessas ações, com o passar do tempo todo o esforço se perderá muito rapidamente. E isso se dá, por exemplo, (1) com o combate do mal pela raiz, saindo dos portos e aeroportos e da gigantesca faixa de fronteira e indo para onde realmente está o poder do CO; (2) com a valorização desses profissionais de defesa e segurança, sem ideologias e preconceitos ditos politicamente corretos; e (3) com políticas públicas eficientes e eficazes, sem demagogia ou interesses escusos.

 

Mas respondendo à pergunta: os resultados esperados irão se concretizar? Lamentavelmente, não. Fica aí mais uma jogada atrelada à retórica política do que a resultados práticos e principalmente duradouros.